Mergulho em apneia excepcional

Histórias verídicas do mar -- Apneia excepcional
Há muitos anos, após o fim da última guerra mundial, o grande explorador submarino *Emile Gagnan, companheiro de mergulhos no mar e em rios subterrâneos de grutas de montanha do não menos famoso comandante *Jacques-Ives Costeau, fez uma viagem a volta do mundo para entrevistar mergulhadores notáveis pela sua apneia (tempo em imersão livre sem respirar).
Dos muitos locais que visitou, conta-se a visita que fez ao arquipélago das ilhas Samoa no Pacífico Sul (salvo o erro pois a história foi-me contada há mais de 30 anos…) .
Vivia nessa altura, numa das Samoa de águas tépidas e cristalinas, um lendário pescador nativo com apneia excepcional -- cerca de 4 a 5mn.
Gagnan visitou a aldeia do famoso pescador e, como é timbre daqueles afáveis povos dos mares do Sul, foi festivamente recebido. Depois das tradicionais boas vindas, foi o francês convidado pelo pescador entrevistado a assistir a uma demonstração da sua capacidade de mergulho livre profundo e prolongado.

Na hora aprazada, embarcou Gagnan, com alguma dificuldade de equilíbrio, na estreita piroga samoana de flutuador lateral de estabilização, que o pescador usava nas suas pescarias.
Com o anfitrião remando com a pagaia, lá passaram os recifes protectores da praia e afastaram-se um pouco da costa. O mar estava calmo com águas excepcionalmente transparentes sendo possível ver nitidamente o fundo submarino a cerca de 30 a 40m ou mais.
Perante o espectáculo que se oferecia a Gagnhan, habituado a mergulhar no Mediterrâneo e Atlântico Norte com águas mais frias e turvas e outra fauna e flora, era um deslumbramento ver a miríade de peixes tropicais de variadíssimas cores e porte que nadavam sob a piroga entre corais de recorte caprichoso.
Avistaram então uma tridacma, bivalve gigante dos mares tropicais que chega a atingir grandes dimensões e, sobre ela, contam-se histórias fantasiosas de mergulhadores afogados ao ficarem presos na sua concha quando ela se fecha repentinamente!
Entusiasmado, o pescador nativo chamou a atenção de Gagnan apontando para o grande bivalve lá no fundo. De imediato colocou uma mola de prender roupa apertando o nariz para compensar os tímpanos dos seus ouvidos – manobra de Valsava --, saltou para a água, e, depois de entalar uma bem afiada faca entre os dentes, fez o que em gíria de mergulho se chama o “movimento do pato” mergulhando rapidamente.
Gagnan, da piroga, viu-o atingir o fundo e acercar-se da tricadma e, aí, empunhar com uma das mãos a faca que levava entalada entre os dentes e meter o braço no interior da concha. De imediato esta fechou-se prendendo o braço do pescador. O explorador francês ficou aflito com o risco de morte a que o samoano se submetia. E, tentando salvar o pescador nativo, saltou para a água e mergulhou. Habituado a que estava a mergulhos com escafandro autónomo a ar comprimido e devidamente lastrado, não foi além dos 25m voltando, aflito, à superfície pois estava a faltar-lhe o ar nos pulmões.
Olhando outra vez para baixo, foi com alegria e alívio que vislumbrou o samoano a subir rapidamente trazendo numa das mãos um grosso volume de carne – era o miolo da tridacma.
Já na piroga, o nativo explicou que a concha, quando acossada e ao fechar-se, embora prenda, não esmaga o braço do intruso, e ainda deixa um certo jogo de pulso permitindo o pescador retalhar/matar o bivalve. Uma vez morta, a concha abre-se facilmente. É só cortar o seu miolo e retirá-lo. É um petisco muito apreciado naquelas paragens!

• Nota: Emile Gagnan e Jacqueus-Yves Costeau criaram o primeiro regulador de mergulho 100% automático (détendeur), comercialmente designado por Mistral, que abriu os mares costeiros até aos 80m de profundidade, no limite teórico com risco 100m, à exploração submarina livre de ligações à superfície com tubagem de ar e cordas de segurança ("narguilé" e "casco metálico com pé de chumbo").
O détendeur não é mais de que um sistema simplificado de pequenas alavancas inter-fixas/inter-resistentes que modelam (laminam) a pressão do ar comprimido da(s) garrafa(s) que o mergulhador carrega às costas passando esse ar dos 200 bar ou mais para a pressão respirável pelo mergulhador que varia entre 1 bar e os 11bar (pressão absoluta). Portanto, a qualquer profundidade e até aos 100m teóricos, o mergulhador respira à pressão hidroestática a que se encontra permitindo os pulmões dilatarem-se e comprimirem-se normalmente.
Esta descoberta do détendeur automático Mistral pela dupla Cousteau/Gagnan, abriu o caminho ao mergulho livre moderno, proporcionando total liberdade com segurança ao mergulhador, libertando-o da necessidade de regulacão manual por este, em cada patamar de profundidade, da válvula de laminagem da pressão do ar da(s) garrafa(s) do escafandro pioneiro até aí utilizado e criado por Rouquayrol/Denayrouze.
Todavia, para a história do mergulho com escafandro autónomo, este equipamento criado pela dupla Rouquayrol/Denayrouze foi o pioneiro que permitiu ao genial visionário Júlio Verne escrever a sua obra prima "As 20.000 Léguas Submarinas", criando a lendária figura do capitão Nemo e a tripulação do seu intrépido submarino Nautilus.