A Golpada

Desta vez não vou falar sobre histórias envolvendo o mar que tanto me fascina -- a elas voltarei brevemente --, mas sim sobre a vigarice humana.
Durante a minha actividade profissional, que terminou em 2001 (agora estou aposentado), fiz várias viagens ao estrangeiro em missões de trabalho.
Numa dessas viagens, fui a França assistir aos ensaios de “performance” de equipamentos hidráulicos que a empresa onde trabalhei, a Efacec, tinha adquirido à KSB/Guinard para integrarmos numa instalação de bombagem a fornecer à Epal responsável pelo abastecimento de água a Lisboa e alguns concelhos limítrofes. Comigo viajaram representantes da empresa n/ cliente desses equipamentos a ensaiar e do representante da KSB em Portugal, na altura, a Precisal.
Os ensaios que íamos testemunhar foram realizados na fábrica KSB/Guinard em Ruão, terra aonde queimaram em auto de fé, há alguns séculos, a belicosa vidente Joana d`Arc acusada de feitiçaria.
Findos os ensaios e de regresso a Paris, aonde estávamos hospedados, tirámos um dia para visitar a capital francesa que eu já conhecia razoavelmente de outras visitas.
Assim, fui o cicerone dos meus dois colegas naquilo que foi possível visitar num só dia e ao domingo.
Na praça “ Charles de Gaulle (Étoile)” , subimos ao topo do Arco do Triunfo e, daí, desfrutámos o panorama majestático da avenida dos “ Champ Elysées” até à praça da Concórdia junto aos Jardins das Tulherias e, do outro lado, a imponente avenida do “Grande Armée”. Na base do arco contemplámos, com respeito, o túmulo do soldado desconhecido francês e, nas paredes das colunas colossais do arco, os nomes das mais célebres vitórias de Napoleão I – Austerlizt, Wagran, Siena, etc.
Deixámos a praça “Charles de Gaulle” e decidimos ir a pé até à emblemática Torre Eifel. Para isso, caminhámos pela ampla avenida de Iéna em direcção à ponte do mesmo nome sobre o rio Sena (grande percurso para palmilhar a pé…). Seguíamos por um dos largos passeios desta avenida, eu à frente conversando com o engenheiro da Precisal, enquanto o colega da Epal seguia mais atrás pois tinha mais dificuldade em andar. A certa altura, olhando eu para trás, verifiquei que o engenheiro da Epal estava parado e a falar com o condutor de um carro que estava imobilizado junto de si.
Retrocedi aproximando-me do meu cliente e vejo o condutor do carro a entregar-lhe, através da janela, um embrulho com cobertura transparente onde se via uma aparente bela camurcina.
O condutor do carro, que tinha passado para as mãos do meu colega o embrulho, dizia, num francês “macarroni” : --- Ofereço-te, pois vou regressar a Roma e quero libertar-me do que restou da colecção de Inverno que vim apresentar aos n/ clientes de Paris; sou funcionário do costureiro romano Valentine. Se, porventura, tiveres aí uma nota de 100 francos aceito para ajuda da gasolina para a viagem de regresso a Itália.
O meu colega, que tinha na mão o embrulho e apreciava a camurcina, ao ouvir falar na nota de 100 francos solicitada, reagiu atirando o embrulho para dentro do carro; nós rimos, dizendo-lhe: -- galinha gorda a soldado, choca está ela!
Regressámos no dia seguinte a Lisboa e, já na Efacec, falando com o director do meu departamento sobre como tinha decorrido a viagem a França, depois de falar no assunto profissional que nos levou lá, comecei a contar-lhe o ocorrido em Paris na avenida de Iéna sobre a tentativa do vigarista. Antes de eu dizer-lhe o que é que o vígaro nos queria impingir, ele perguntou-me sorridente: -- oh! Sousa, não me digas que era o homem da camurcina…
Pelos vistos, não tínhamos sido os únicos a ser abordados pelo aldrabilhas de Paris; como o mundo é pequeno!