Conto real – A Mariscada e a minha “Gata Borralheira”

Recordo, com um sorriso nos lábios, um episódio caricato ocorrido há já muitos anos.
Depois de uma noite de produtiva pesca às navalheiras e às ferreirinhas ou bruxas (cavacos nos Açores) que eu e o meu amigo Pedro fizemos no molhe de Ferragudo da barra do rio Arade, organizámos, na açoteia da minha velha casa de Portimão, uma jantarada de marisco.
Nesse tempo, era fácil, nas noites sem luar e com a ajuda duma potente lanterna submarina, apanhar as apetitosas navalheiras (caranguejos da pedra, de patas espalmadas e carne saborosíssima) e ferreirinhas ou bruxas (espécie de lagostas miniatura sem antenas que nos Açores se chamam cavacos e também de carne deliciosa).
A técnica para apanhar estes crustáceos é simples:
1º - Localizá-los nos interstícios das pedras ou rochas submersas com o auxílio do potente feixe luminoso da lanterna que, inicialmente, encandeia os bicharocos;
2º - Tentar jogar-lhes rapidamente a mão por detrás para suster a sua retirada que nas navalheiras é normalmente para trás, ou para o lado no caso das ferreirinhas que saltam como gafanhotos fazendo coriscos de fogo quando as águas estão fosforescentes pelo plâncton;
3º - Conseguir agarrá-los antes de se esconderem nos seus inacessíveis buracos;
4º - Logicamente, depois de agarrados, metê-los no cesto de rede metálica com tampa de fecho automático por acção de uma mola (este era o tipo de cesto que nós usávamos e que normalmente se enchia de marisco, e o cesto era grande…).
Depois deste esclarecimento sobre a técnica utilizada nesta pesca, voltemos à jantarada.
Findo o repasto e porque a noite de Verão estava convidativa e os estômagos bem atestados, apeteceu-nos ir tomar café, e não só, ao velho casino da Penina (perto de Portimão).
Lá fomos: eu e a minha esposa Lena no meu velho Renault 4L com base em Portimão e utilizado nas idas à pesca ( deixava o outro carro que também possuía na minha residência de Paço de Arcos pois, normalmente, deslocava-me ao Algarve de comboio); os amigos Pedro e a esposa Dina viajaram no seu Datsum; e o saudoso amigo Poucochinho e a sua esposa Piedade utilizaram o seu BMW (a mais nobre viatura da caravana a caminho do casino).
Sem desprimor para as elegantes esposas dos meus companheiros amigos, a minha esposa ia muito bela no seu vestido comprido de “soiré”, um pouco decotado, e com rosa de seda brilhante ao peito. Eu estava vaidoso!
A caravana arrancou a caminho do casino; eu seguia à frente -- não fosse o meu calhambeque avariar-se pelo caminho – com os restantes amigos a trás.
Chegados ao destino, encostei o carro à porta do casino para a minha esposa descer. O porteiro, majestoso na sua farda, apressou-se em vir abrir a porta do n/ carro para a minha mulher sair. Já com a minha esposa fora do velho carro, o prestável porteiro fechou a porta do Renault com tanta força que esta saltou dos gonzos ficando pendurada nas suas mãos. Incrédulo, olhou para mim, estando eu ao volante, e perguntou-me: --“O que faço eu com isto?” Respondi agradecendo e apontando a parte de trás do carro:
--“Obrigado, ponha a porta sobre o banco de trás s.f.f.!”
Olhando pelo retrovisor da viatura, vi os meus amigos lá atrás a rirem a bom rir do caricato da cena. Uma senhora tão elegante em chocolateira tão desconjuntada …
Sai dali para o parque de estacionamento e fui à procura de arames de ferro para prender a dinâmica porta.
Veio-me à memória o conto da “gata borralheira”…