Literatura - O Algarve de Manuel Teixeira Gomes

Comemoraram-se, no passado ano, os 150 anos da data de nascimento de Manuel Teixeira Gomes. Este ilustre portimonense, meu conterrâneo, foi um grande escritor, diplomata, presidente da república e um ardente apaixonado pela terra que o viu nascer. Foi ele que elevou Portimão de vila a cidade
Relendo eu, há algum tempo e assim prestando homenagem na efeméride ao prestigiado algarvio, o seu livro Agosto Azul, mais uma vez deslumbrou-me o episódio picaresco que nesse livro ele relata sobre a visita de uma esquadra inglesa à baía de Lagos.
Julgando não estar a plagiar Manuel Teixeira Gomes mas sim a homenageá-lo, gostaria aqui de relatar, por palavras minhas e muito mais singelas do que as escritas no citado livro pelo grande escritor, o episódio acima referido.
Estávamos em pleno Verão, nos princípios do século 20, altura em que Teixeira Gomes, ainda jovem estudante, gozava férias na sua terra. Já nesse tempo, apaixonado pelo mar algarvio, considerava ele como beleza inigualável o trecho da costa marítima alcantilada e arenosa que vai da Ponta do Altar, na margem esquerda da embocadura do rio Arade, até à Ponta da Piedade a seguir a Lagos na direcção do mar.
Teixeira Gomes, um romântico, grande apreciador de mulheres bonitas, nesse ano de férias à beira mar levou uma jovem namorada a partilhar com ele uma edílica estadia numa casinha escondida entre pitas e valados na zona dos Três Castelos da Praia da Rocha (Buraco da Avó). Aí, aonde hoje campeia o betão armado que os “patos bravos” por ali semearam a eito já nos anos 70/90 do século passado, abundavam figueirais e pequenos vinhedos que iam até à Praia dos Três Irmãos em Alvor passando pelo João de Aréns no fim do Vau, à mistura com vegetação espontânea mediterrânica que a canícula no Verão não secava.
O jovem par de namorados, ele exímio nadador, ela certamente também, passava grande parte do dia na praia vizinha – Praia da Rocha -- curtindo o Sol e o mar; e dedicava-se à pesca de pequenos polvos e chocos, ouriços do mar, lapas e camarões nas pequenas lagoas de água formadas, quando da baixa-mar, na base das muitas rochas e lajedos a descoberto na Praia do Vau. Estas rochas e lajedos foram quase totalmente cobertas de espessa camada de areia, muitas dezenas de anos depois, quando do grande assoreamento artificial, com dragados retirados da barra do rio Arade, feito pelos Serviços Hidráulicos para defesa da falésia argilosa e fragilizada pelas arremetidas do mar.
Tornou-se o jovem casal conhecido das poucas pessoa que, na altura, viviam na zona. Uns eram operários conserveiros que trabalhavam em Portimão e/ou caseiros de pequenas explorações agrícolas (fazendas) onde habitavam, ou pobres pescadores de pesca à linha ou de arrasto na praia (xaxorro ? ).
Na altura, estava ancorada na baía de Lagos uma esquadra inglesa composta por muitos navios de guerra e numerosa tripulação. Os marinheiros ingleses, de vez em quando, tinham permissão do comando da frota para irem visitar as praias de Lagos, de Alvor, dos Três Irmãos e da Prainha, a mais afastada. Assim, saiam dos navios em escaleres e em vigorosas remadas alcançavam essas praias.
Algumas tripulações mais intemeratas afastavam-se da vista dos navios ancorados na baía e, dobrada a ponta rochosa da Praia dos Três Irmãos, saltavam em terra na Prainha encalhando os escaleres de transporte na areia da praia. Aí, nesse tempo praia deserta, tiravam o calção de banho e estiravam-se nus ao Sol e/ou nadavam no mar; enquanto outros subiam as ravinas sulcadas na falésia pelas chuvas de Inverno e visitavam figueirais e vinhedos das redondezas saboreando os seus deliciosos figos auxários ou braçajotes, ou ainda sumarentas uvas.
Desesperavam os pobres proprietários daquelas minúsculas explorações agrícolas ao verem, de dia para dia, os seus frutos serem devorados pela marinhagem estrangeira. Feita queixa nas capitanias de Portimão e Lagos, o resultado foi zero pois não obstante as autoridades terem alertado o comandante da frota, as tripulações continuavam em terra a rapinar os frutos.
Como consequência, foi organizada pelos donos legítimos dos frutos ameaçados, uma comissão de defesa que constituiu uma milícia para enfrentar o “inimigo”, engajando pastores das zonas circunvizinhas – Montes de Alvor, Mexilhoeira Grande, Chão da Donas, etc -- conhecidos como exímios atiradores de pedras com o auxílio de funda ( os “ Davides” locais iam derrotar os Golias estrangeiros). Com esta artilharia do paleolítico foi assim organizado o pequeno exército; aos seus organizadores surgiu, entretanto, uma grave dúvida… Como resultado, foram então pedir conselho ao Sr. da cidade e versado em estudos superiores, que passava férias nos Três Castelos.
Quando abordado sobre tão momentoso assunto, riu-se Teixeira Gomes dessa ingénua dúvida e aconselhou-os a avançarem com a defesa enérgica do seu património.
A dúvida foi posta desta maneira:
-- “ Oh! Sr Dr.; será que os ingleses ao serem corridos à pedrada não irão depois bombardear com os couraçados o barlavento algarvio? “
Depois de aconselhados, prepararam os camponeses e pastores uma emboscada aos invasores das suas terras que foi um clamoroso êxito. Houve cabeças loiras e ruivas de ingleses, escoceses e irlandeses a escorrer sangue e descida vertiginosa de ravinas aonde espinhos e cardos golpeavam também os pés dos invasores em debandada para os escaleres.